Fusquinha

08 maio, 2008

Fim de tarde, não tinha mais o que fazer. Entrei no botequim da esquina, cabisbaixo e pedi um chopp. Fiquei ali pensando em tudo que fiz durante o dia, naquela vida de sempre e na bendita entrevista que havia feito há três dias e nada da resposta. Vida ingrata, isso que a entrevista foi para ser chefe de obra, nem para isso devo servir. Foi quando levantei a cabeça e avistei uma beldade entrando pela porta do botequim. Que morena é aquela, pensei comigo. Como gostaria de saber seu nome e ao menos ter um fusquinha para levá-la para passear, mas só tenho uma magrela que me acompanha desde os meus quinze, já estou com 30 anos e não casei ainda.
Fiquei ali mais um tempo tomando, agora, um café, já que o que me sobrou não deu para mais um chopp e, penetrando os olhos em cada partitura daquela mulher. Sou um homem sem sorte, nunca tive sucesso com as mulheres. Não que eu não seja “boa pinta”, mas por que sempre fui avesso às obrigações. Hoje sinto falta de uma rapariga para me colocar em ordem, arrumar minhas roupas e me deixar aparentemente bem quisto nas mil e uma entrevistas que faço toda semana. Paciência, todo homem deve ter paciência. Mas aquela morena...
Peguei minha magrela, companheira de todas, fui para casa. Moro de aluguel em uma edícula construída atrás da casa dos meus pais, até nisso tenho azar. Ainda hoje acho que sou bastardo, não sei como pode meus pais cobrarem aluguel de um filho que vive nessas condições. Mas pelo menos me dão o que comer e perguntam sobre mim quando estão de bom humor.
- Filho? Ligaram para você umas duas vezes e era voz de mulher.
- Deixou recado mãe?
- Não, a moça só disse que era urgente. Deixou o telefone pediu que retornasse. Pode usar o telefone aqui em casa, eu deixo.
- Já é tarde, ligo amanhã cedo. Obrigado e boa noite.
- Boa noite filho, durma com os anjos. Eu te amo.
Hesitei por alguns instantes. Eu não podia estar escutando aquilo. Há muito tempo mamãe não diz que me ama, coloquei pra fora meu orgulho e só lancei um sorriso confuso. Tomei um banho, deitei pensando naquelas palavrinhas que adoçaram minha noite, depois de um dia cansativo.
Faz tempo que não acordava tão disposto. Fui lá na casa de mamãe, dei um beijo no pai, benção na mãe e sentei para tomar um café.
- A tal moça ligou de novo. Pediu que ligasse assim que você levantasse.
Achei estranho que ela tenha ligado tão cedo. Mas retornei na mesma hora.
- Alô! Oi bom dia, quem fala é Lúcio Carinho, eu poderia falar com a Senhora Florinda?
- Oi Lúcio, é ela mesma. Estava esperando por sua ligação. E, por favor, senhora não, pode me chamar de Flor.
- Pois não Senhora, digo, Flor, o que seria?
- Sou responsável pelo Departamento de Recursos Humanos da Construtora Amorim, avistei de longe sua entrevista com o Empreiteiro e li seu currículo. Devo admitir que seu currículo é muito bom na área e sinto uma forte presença de liderança no seu modo de falar. Então, por favor, se puderes compareça hoje às 10h30 no escritório da Construtora para que possamos conversar. Está bom para você?
- Claro Senhora Florinda, claro. Marcado, no horário determinado estarei aí. Muito obrigado desde já, muito obrigado mesmo.
- Fico no aguardo. Tchau.
Desliguei o telefone extasiado, sem reação. Há muito tempo eu não me sentia assim. Parece que hoje é meu dia de sorte. Mamãe já havia preparado minha melhor roupa e me emprestou um dinheiro para que eu não precisasse ir de bicicleta. Achei traição fazer aquilo com a magrela, sempre tão companheira nas derrotas, mas fui assim mesmo. Logo, com o um bom emprego podia consertá-la.
Cheguei quinze minutos antes do horário combinado, avisei a secretária que a Senhora Florinda estava a minha espera. Sentei no sofá, peguei o jornal e li as principais notícias, quando ouço uma voz suave me chamando:
- Senhor Lúcio Carinho?
Quando avistei, meu coração não se conteve. É ela, a tal morena do botequim. Voltei ao normal para não deixar escapar alguma bobagem:
- Sim sou eu e você deve ser a Senhora Florinda?
- Me chame de você, ou de Flor. Venha, acompanhe-me até minha sala.
Conversamos umas duas horas sem parar, além de linda, é muito inteligente. Fechamos contrato, em dois dias inicio meu trabalho, agora sou o novo Empreiteiro e quem sabe poderei comprar um fusquinha para levar a Flor para passear.



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Mais um blog http://marketingdascinco.blogspot.com re-criação do antigo Essência Café. ;)


Carpe Diem.

mudanças constantes.

04 maio, 2008






[...] Nossa memória sempre distorce o passado conforme os interesses do presente, e a mais fiel autobiografia mostra mais o que o autor é hoje do que o que foi ontem [...].


- Rufus (personagem) Diário de um fescenino, Rubem Fonseca.