Ruas e Avenidas

18 janeiro, 2008

Era uma tarde quente, de inverno. O tempo natural estava incompreensível naquelas épocas, nada era tudo e, tudo era nada. Margarida passeava em cima dos muros que cercavam o condomínio onde morava. Equilibrar-se na estreita largura do muro, de pouco mais de três metros de altura, era uma de suas brincadeiras favoritas. De lá podia observar tudo que seus olhos alcançavam. Registrava em sua mente cada passo proporcionado pelo instante de concentração, abismo, aventura, desejo e curiosidade. De altura mediana, Margarida tipo pele cor de jambo, cabelos escuros e encaracolados compridos até a cintura.
Não tinha muitos desejos e expectativas. Vivia o ali, o hoje, o presente. Porém, um momento que nunca vivera, estancava-se ali no meio daquela pequena multidão do bairro Estrelas, às seis horas da tarde, horário de pico. Nunca sentiu tamanho desconforto e por um segundo se distraiu no próximo passo e por pouco não foi ao chão. Coração acelerado, tudo em si mantinha uma sinopse de um livro, breve e convidativo. Dirigiu-se à cozinha, bebeu dois copos de água pura e um com açúcar, muito açúcar. Tinha pressa em retirar toda aquela agonia que não deixava seu coração diminuir o pulso. Foi ao seu quarto e ali se deixou sentir o que era bom e ao mesmo tempo agonizante. Margarida nunca foi tratada com muitos sentimentos, não sabia defini-los, mas já ouviu nas conversas de suas colegas, na televisão quando via e nas músicas que sempre achou melodramática; sabia mais ou menos do que se tratava, no entanto, nunca se deixou levar. “O que é isto que sinto, por que essa sensação de cair de tão alto?”. Nada explicaria o porquê daquilo tudo.
Resolveu fazer suas tarefas da escola, o terceiro ensino médio tomava todo o seu tempo, final do ano teria provas, tinha que estudar e passar para o curso de jornalismo, seu desejo mais ambicioso. Leu, releu, leu, releu e não se concentrava nas questões. Pegou seu livro Sobre Fotografia, de Susan Sontag, e leu até o final. “Vou precisar ler novamente, não entendi nada”. Então, retirou o diário do esconderijo e se pôs a escrever, precisava desabafar ali, o diário era para ela o seu maior confidente e, sem dúvida, algo em quem podia confiar. Ao final lia tudo de novo e não podia acreditar no que lia. Escondeu o diário, tomou banho e dormiu.
No dia seguinte, não se concentrou na aula e isso a deixou decepcionada, consigo mesma. Comeu pouco e dormiu a tarde toda. Levantou mais decepcionada ainda. Tinha medo de ir até o muro, mas foi. Precisava tirar isso a limpo. Já eram quase seis horas, de uma sexta-feira, a movimentação era ainda mais barulhenta. E o barulho ensurdecedor para uns, era tarja preta para Margarida. Ficou intacta ao que via, abria e fechava os olhos querendo apagar essa louca imaginação de sua mente. Não podia ser. Não queria que fosse. Relutou por um tempo, observando que o inimaginável se aproximava e sem saber o que fazer, pulou para dentro do condomínio, acuada, um choro incontrolável a envolveu, perguntas sem respostas.
Sua distração terminou assim que uma bola de papel caiu ao seu lado. Resistente, demorou a pegar e abrir. “Não, não podia ser. Como assim?”. Um filme passou em sua mente, como se estivesse dormindo e o sonho persistente incomodasse sua tranqüilidade. Mas era real e estava ali do outro lado do muro. Ao final do desenho, uma frase condenava tudo: “Sei o quanto você está confusa, assim como eu. Precisava tomar uma iniciativa e saber se isso também é real. Quando tiver coragem me procure, estarei sempre às 18hs, na praça da Av. do Sol, esperando seus olhos. Do homem dos seus sonhos para a menina dos meus”.

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15 janeiro, 2008

"... É como uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu."

Conto: Amor
Clarice Lispector.