Bilhetinho azul.

21 novembro, 2008

Vocês lembram sobre um Concurso Literário que participei? Então, foram exatos 3 meses de luta quase diária para saber o resultado do bendito concurso, eu ligava e um amigo que participou também. Sempre tínhamos uma resposta na ponta da língua, mais uma desculpa do que qualquer outra coisa pacífica de credulidade.
Enfim, eis que me vem uma resposta, em suma: a verdade é que o concurso não teve coro suficiente para ser um grande evento, a comissão concluiu que é mais fácil premiarmos todos os pseudo-escritores, com um singelo agradecimento pela participação.
Muito bom! Cadê a M do incentivo à cultura? O povo precisa de conhecimento, coisas úteis, inteligentes, bonitas. Chega de "eguinha pocotó" e outras breguices que só deixam a população mais inerte. [Desculpem o protesto].
Ainda assim, eu mesma premio o meu conto, gostei dele, achei fofo. Faço dele, digno de primeiro lugar e a crônica do Nando também! Se ele me autorizar, vocês entenderam um pouco sobre Floripa em palavras suscitas, populares e com um pitaco de um mané apaixonado pela ilha.
_______________ Bilhetinho Azul.
Seu mais ligeiro olhar facilmente me descerra era o que dizia aquele bilhetinho azul. Senti um leve pulsar das minhas veias latentes que iam desde o pescoço ao início do pulso.
Impossível compreender que tal sentimento era puro, se há dias atrás nem um olhar encontrava o meu. Deixei que aquela sensação de ser amada tomasse conta do meu corpo e alma, mesmo que a razão, ousada, bloqueasse o momento.
Aquele bilhetinho azul fez de um dia cinzento o céu mais colorido, e o arco-íris tinha seu começo e fim do lado esquerdo do meu peito. A chuva era constante e densa, adentrei por baixo dela rumo à praça, vazia, pelo medo da tempestade. Naquele momento nem a mais intensa garoa me faria ficar longe do mundo que me cercava.
Avistei de longe uma silhueta inquieta atrás dos arbustos altos da praça, com os quais um belo cercado abraçava o parque. Observei aquela inquietação insistente e, de onde eu estava ouvia sua respiração ofegante. Paralisei os passos, devagar chegava cada vez mais perto. O coração agora pulsando de medo e de amor.
A chuva cessou um pouco, um silêncio repentino se fez presente. Consegui distinguir uma figura fina, cabelos compridos e uma franja que lhe cobria os olhos. Tinha altura mediana e os olhos inchados pela tempestade ocular.
- Oi – investi em um diálogo. Ela se limitou a olhar de canto.
- Você precisa de ajuda? – insisti com medo de parecer impertinente.
- Oi. Não preciso não, só preciso ficar só. – disse.
- Mas você não pode ficar nesta chuva, molhada deste jeito, pode ficar doente – tentei ajudá-la.
- E quanto a você? Também está na chuva. – falou um pouco aborrecida.
Sorri.
- É, você tem razão, mas é que me faltou razão quando escolhi estar aqui – expliquei-me.
- Você deve ser louca! – exclamou.
- Desculpe a intromissão. O que são essas folhas rasgadas? – perguntei.
- Velhas obras, indistinguíveis. Meras palavras, letras crônicas, sem sentido. Ando exausta, sou um nada. Queria ter nascido da arte, crescido com a arte e quero morrer pela arte. Tanto esforço desnecessário, se nem ao menos tenho alguém para me incentivar. Todas as folhas rasgadas foram textos, desenhos, obras sem sentido mais que tinham todo o sentido para mim. Agora, as folhas, nem para reciclar. A arte que pulsa dentro de mim não serve nem para álbum de fotografia ou museu. Desculpe o desabafo, você não deve ter entendido nada e ainda deve estar pensando que a louca sou eu.
- Não, não, de forma alguma, pode desabafar. Você não me conhece, mas quando estou angustiada nada melhor do que conversar com alguém, e saiba, melhor ainda quando não conhecemos o ouvinte, pelo menos não nos dão conselhos.
- Estou frustrada, angustiada. Cansada de ser quem não sou. A arte pulsa dentro de mim e as pessoas com quem convivo acham loucura.
- Sei como é. Não sei ao certo o que tem acontecido com você, mas já encerrei alguns capítulos da minha vida com esta mesma essência: quero algo assim e o mundo quer ao contrário. Mas saiba que todas as vezes que encerrei estes atos, finalizei sobre a minha própria vontade. Na maioria das vezes pude sentir o gosto do sucesso e do fracasso.
Ela apenas me fitava com aqueles olhos negros, grandes. Sentindo-se invadida por uma estranha. Quando terminei de pronunciar aquelas poucas palavras, num lapso, ela se levantou e correndo tomou o seu rumo.
- Ei, para onde vai? Quer ajuda, carona? – perguntei aos gritos.
Recebi só um sorriso.
Depois, a tempestade retornou junto com um belo sol alaranjado e amarelo que despontava no horizonte. Sorri, li novamente o bilhetinho azul. O fim de tarde ganhou projeções de algumas novas sombras, mas a luz já não aquecia, principalmente depois das roupas molhadas.
Contornei a praça e segui em direção à avenida, querendo que aquele momento nunca tivesse fim. Compenetrada em meus passos, questionei-me o que há em mim que fecha e abre. Confusa, lancei um sorriso e aquele mesmo olhar, ligeiro, resultou em dias melhores.

ºº
Autora: Lívia Brito, escrito originalmente em 24 de agosto de 2008, com uma ajudinha especial na revisão, thanks baby.

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