Um cotidiano qualquer

20 junho, 2009



Eu não tenho insônia. Ao dormir sinto a cama desabar, num estrondo enorme. Ultrapassa todos os andares. Eu não me movo, é como se eu procurasse cair. De certo é este uísque, velho companheiro.

Segunda-feira - lá estou naquele prédio velho. Odeio trabalho público, departamentos cheios de mofo me deixam tonto. Mas era dali que eu sustentava meus vícios. “Nossa, Pereira, parece que você foi atropelado por um caminhão”. “Dois, três deles quem sabe d. Florinda. Quanto a você, pelo menos um te estragou”. Expressões de intolerância. “Problemas amorosos, Pereira”. Fiz cara de desinteressado, servir de psicólogo já era demais.

Datilografo os relatórios, organizo o financeiro tentando burlar a ética e cubro os saques absurdos que os chefes fazem. E eu ainda ajudo a aumentar essa hipocrisia. Aquilo tudo me cansava. “Quer me fazer companhia, Pereira?” “Não, d. Florinda, prefiro almoçar sozinho.” Feijão, arroz, salada e uma carne era o meu PF favorito, acompanhado de uma dose de uísque. Depois fumo um cigarro sentado na praça, e observo o movimento. Esses ignorantes me enojam, é no que penso frequentemente.

Meus dias eram esses e toda noite é a mesma sensação. Eu acordo ainda mais cansado. Até que um dia, depois de tanta insistência, almocei com d. Florinda. Para a minha surpresa, e pela primeira vez, a vi de perto, atentamente. “Não me chame de dona, me chame de você”.

Florinda me acompanhou até a praça, fumou um cigarro também. Ao que me distraio sou violentamente beijado por ela, com tal intensidade que senti – depois de tanto tempo – uma dolorosa ereção. Naquela tarde até o dia seguinte, Florinda sentiu a cama desabar. Literalmente.
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